Anjo e exício,funeral de amor

    Era tarde e a chuva havia se tornado uma tempestade. A casinha era feita com restos de madeira e o teto poderia esbarrondar a qualquer momento. Dentro, as crianças e a mãe. Jovem e só, ela contava histórias em uma tentativa fracassada de driblar o medo de seus filhos, mas por dentro estava desmoronando. O pai? Infelizmente não se podia contar, pois fora morto após viver anos perdido em um mundo paralelo e terrível em que vivem todos os viciados em drogas. Não bastasse a perda, as ameaças ainda eram válidas para as crianças e a mãe.
    
     A verdade é que a mãe sabia que de qualquer forma as histórias que contava seriam apenas histórias esquecidas pelo medo e suspensas pela realidade que não precisa bater na porta, porque estava ali, acima deles, em seu teto. Ela, que respirava os filhos e vivera trabalhando para garantir ao menos o que comer e o pai que nunca foi pai, deixara apenas uma certeza: a morte!

    As horas, os minutos e os segundos passaram e a tempestade tornava-se cada vez mais insuportável. Não havia para onde ir. Seus parentescos? Não se podia contar com nenhum. Só restara a mãe e as crianças, confortando uns aos outros e apenas isto naquele momento bastava.

    Todavia, como estava previsto, por ironia ou desamparo de Deus, o teto não mais aguentou... Justamente embaixo uma das crianas. A mãe, no impulso e no amor de salvar seu filho, jogou-se e arremessou a criança para o outro lado, resultando em sua morte entre os escombros.
 
     Li esta notícia no jornal e a recortei. Anexei em meu mural de colagens e notícias que parecem poesia. Ora, poesia porque tem amor, e tudo o que tem amor merece ser mantido na memória. Não conheci esta família e não encontrei mais notícias das crianças em jornais, mas sempre fiz prece para que encontrassem alguém que as amasse como a mãe as amou.

   Sim, porque aquela atitude foi uma prova de amor verdadeiro. Aquela mãe foi um anjo da guarda entre nós, meros seres humanos que tememos a própria dor.


   

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